MÉRCIA MARIA DA SILVA
1 – INTRODUÇÃO
O movimento de inclusão social, iniciado, no contexto internacional, a partir dos anos 1980, promoveu uma nova discussão no âmbito da educação especial.
Nesta época, iniciam-se questionamentos a respeito do tratamento dado aos alunos com Necessidades Educacionais Especiais ou com deficiências no contexto das escolas especiais em vários países. Tais sistemas de ensino, sustentados em um modelo médico de avaliação, consideravam as dificuldades de aprendizagem como consequência de um déficit do aluno. Consequentemente, questionamentos a respeito do fazer da escola, assim como os motivos envolvidos na produção do fracasso escolar de uma determinada parcela de alunos eram totalmente evitados. Com isso, se um aluno não conseguisse aprender, o sistema educacional ficava totalmente isento de responsabilidades.
A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) realizam um importante trabalho por meio de reuniões, convenções e acordos internacionais, tendo como um de seus objetivos que a educação chegue, sem exceção, a todas as crianças em idade escolar. Dentre estas reuniões, destacam-se a Convenção Sobre os Direitos da Criança (Nova York, 1989) que dispõe sobre os direitos que devem ser aplicados a todas as crianças, jovens e adultos sem qualquer exceção; a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, (Jomtien, Tailândia, 1990) quando foi relembrado que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens de todas as idades, no mundo inteiro; a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade (Salamanca, Espanha, 1994) que objetivou especificar a atenção educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais, reafirmando o compromisso para com a Educação Para Todos. Dentro do sistema regular de ensino e a Convenção da Guatemala (1999) que trata da eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência.
Dentre os documentos internacionais elaborados, o que contribui de uma forma mais efetiva para impulsionar a questão da inclusão educacional em todo o mundo, foi a Declaração de Salamanca, em que ficou estabelecido, dentre outros pontos, de acordo com o plano de ação em educação especial, que todas as escolas deveriam acolher a todas as crianças independentes de sua condição física, intelectual, social, emocional, linguísticas e outras.
O novo desafio dos sistemas educacionais, a partir desta perspectiva, é o de desenvolver uma pedagogia capaz de educar com êxito a todas as crianças, inclusive àquelas que têm deficiências graves, compreendendo que as diferenças humanas são naturais e promovendo a adaptação da aprendizagem à necessidade de cada criança. Com essa abordagem, busca-se o rompimento com o modelo vigente, da homogeneidade, introduzindo a Ética da Diversidade em que não mais se busca trabalhar no sentido de aproximar os alunos dos padrões de normalidade, e sim de respeitar cada educando dentro da sua individualidade. Assim, o desenvolvimento de escolas inclusivas, escolas capazes de educar a todas as crianças não é, portanto, unicamente uma forma de assegurar o respeito dos direitos das crianças com deficiência para que tenham acesso a um ou outro tipo de escola, senão que constitui uma estratégia essencial para garantir que uma ampla gama de grupos tenha acesso a qualquer forma de escolaridade. Nessa nova perspectiva, compreende-se que “Os alunos com necessidades especiais, não requerem integração. Requerem educação”. (Hegarty & Pocklington, 1981 apud Sánchez, 2005, p. 7). Isso nos leva a pressupor a melhoria das práticas educativas para todos os alunos assim como para todo o coletivo escolar.
Com isso, busca-se a participação dos alunos, de uma forma plena, da vida escolar e social da comunidade em que se encontra inserido, apoiando, incentivando e ampliando as suas qualidades, capacidades, potencialidades e habilidades. Neste sentido, o professor deve poder contar com recursos materiais e humanos – intra e interpessoais.
Reconhecendo a educação como um direito e a diversidade existente como um valor educativo essencial para que haja a transformação das escolas, o processo inclusivo possibilita romper com o paradigma da escolarização tradicional e obriga o sistema educacional a tentar novas formas de ensinar. Valorizando a necessidade de realizar mudanças no sistema de ensino de forma que atenta a todos, a mudança de perspectiva e de atitude que considere e valorize a diversidade é o primeiro passo para que se tenha uma escola para todos.
Neste, sentido, a escola tem como uma de suas necessidades fundamentais promover a mudança de atitudes e implantar uma nova política educacional de inclusão social na perspectiva da diversidade. Em seu Projeto Político Pedagógico, a escola reconhece que, apesar de toda assistência prestada à comunidade escolar, tem como um de seus pontos fracos: o “atendimento psicológico abaixo das necessidades” porque, segundo o documento, dentre outras dificuldades, “falta acompanhamento psicológico adequado ao aluno e à família” (PPP, 2006, p. 22). Esta “falta de acompanhamento psicológico” pode ser compreendida como um obstáculo enfrentando pela instituição ao lidar com as dificuldades de aprendizagem e com os alunos que apresentam necessidades de atendimento especial: deficiência mental, física, auditiva; ou aqueles que apresentam aprendizagem acelerada e que muitas vezes, sem o devido acompanhamento se tornam protagonistas de “indisciplina” por não se adequarem ao modelo de educação homogeneizante que a escola oferece, ainda guiada por um paradigma educacional tradicional.
Diante dessa realidade e das novas demandas pela mudança de paradigmas, faz-se necessário pensar estratégias que não apenas modifiquem a forma como a escola lida com os portadores de necessidade especial, mas que a própria escola (a comunidade escolar) modifique a sua perspectiva em relação às diferenças. Assim, propõe-se a implantação de uma política de inclusão na escola. Para tanto, propõe-se, como objetivos específicos: a) iniciar os trabalhos da sala de recursos multifuncionais; b) realizar levantamento dos alunos que necessitam de atendimento especializado; c) promover a discussão das formas de inclusão a serem implantadas com toda a comunidade escolar, na perspectiva da diversidade.
2 _ REFERENCIAL TEÓRICO
A educação inclusiva compreende a construção de uma escola aberta para todos, que respeita e valoriza a diversidade, desenvolve práticas colaborativas, forma redes de apoio à inclusão e promove a participação da comunidade. Essa compreensão significa criar escolas de qualidade para todos, que atendam efetivamente, todas as crianças e adolescentes das suas comunidades, revertendo a situação de exclusão na educação.
Nessa perspectiva, o Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Especial, tem compreendido que a Educação Especial:
“converte-se numa modalidade transversal que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades da educação, disponibiliza serviços, recursos e atendimento educacional especializado para apoiar o processo de escolarização nas classes comuns de ensino regular beneficiando todos os alunos” (BRASÍLIA, SEESP, 2005, p. 2.)
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, 2001, em seu artigo 2º, orientam que: “Os sistemas de Ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para dar o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos”. Já o Plano Nacional de Educação, 2001, destaca, no capítulo da Educação Especial, que “o grande avanço que a década de educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garantisse o atendimento à diversidade humana” (apud ALVES, 2006, p. 11).
Para a construção de uma escola inclusiva e o atendimento educacional aos alunos com as diversas necessidades especiais (deficiência mental, auditiva, visual, física ou com altas habilidades/superdotação) foram criados espaços de atendimento educacional especializado que visam a construção de conhecimentos pelos alunos por meio do desenvolvimento de estratégias de aprendizagem centradas em um novo fazer pedagógico, guiado pelo paradigma da diversidade. Para a implantação destes espaços – salas de recursos multifuncionais – é necessário que a escola desenvolva uma política de inclusão que pressupõe não apenas o desenvolvimento de tecnologias assistivas, técnicas especiais de ensino, mas também uma mudança de perspectiva em relação aos alunos que necessitam desse atendimento. Os autores que têm discutido a implantação desses espaços ressaltam que não há uma receita a ser implantada e que as estratégias dependem especialmente da mudança de atitude dos envolvidos no processo de educação.
Meneses (2006), ao falar sobre o atendimento educacional especializado para alunos com surdez, observa que na escola inclusiva a diversidade deve ser respeitada, valorizada e atendida em detrimento da homogeneidade. O planejamento de atividades que visam a inclusão, portanto, não deverá ser feito centrado na deficiência mental, mas sim no aluno. Para o desenvolvimento de atividades na Sala de Recursos é importante: conhecer o aluno, em sua realidade familiar e social, em suas características pessoais, em seus interesses e peculiaridades, em seu processo de aprender; em suas necessidades de aprendizagem; no que ele já sabe e o que está em vias de aprender. As estratégias de ensino e o planejamento devem ser feitos baseados na aprendizagem cooperativa (cf. Monereo & Gisbert, 2005),
A Sala de Recursos multifuncionais surge como um espaço não apenas para
“trabalhar e identificar a deficiência do aluno, especificamente. Tem uma preocupação com a família, desse aluno, mostrando a importância da emancipação, do resgate da cidadania. Também irá trabalhar com o professor da sala regular para que ele tenha o material (...) discutir com ele e estudar a questão da autoria do saber e que o deficiente é um indivíduo diferente como qualquer aluno”. (SARTORETO, 2006).
O atendimento educacional especializado, seja na sala de recursos multifuncionais, ou em atividades dentro da própria classe comum, não pode ser confundido com atividades de mera repetição de conteúdos programáticos desenvolvidos na sala de aula, mas deve construir um conjunto de procedimentos específicos mediadores do processo de apropriação e produção de conhecimentos.
3 – METODOLOGIA
3.1 – Público Alvo:
O projeto pretende envolver toda a comunidade escolar: alunos (ditos “normais”, deficientes, superdotados), professores, funcionários, direção, pedagogos, pais.
3.2 – Organização:
O projeto será desenvolvido em três níveis simultâneos, a saber: a) levantamento dos alunos com necessidade de atendimento especializado; b) ampla discussão sobre as formas de inclusão social com toda a comunidade escolar; c) implantação da sala de recursos multifuncionais.
É importante salientar que esses níveis não pressupõem um trabalho em etapas distintas, mas serão parte de um mesmo movimento que busca a discussão e implementação de uma política de inclusão na escola.
3.3 – Desenvolvimento
a) Diagnóstico:
A identificação dos alunos que necessitam de atendimento educacional especializado e que poderão ser atendidos na sala de Recursos Multifuncionais será feita com o levantamento de informações junto aos pedagogos, professores, alunos e pais, através de observação direta, entrevistas e questionários.
b) Discussão:
Para a implementação do projeto será necessário envolver toda a comunidade escolar. Neste sentido, serão organizadas oficinas pedagógicas com a direção da escola, professores e funcionários, reuniões com pais e alunos. Nas oficinas serão trabalhos conteúdos e atividades que visam ao esclarecimento e sensibilização para as ações concretas que possibilitem o acesso de todos os alunos e seu desenvolvimento pleno na escola. As reuniões com os pais e alunos, visam, sobretudo sensibilizá-los para o respeito à diversidade e à autonomia dos portadores de necessidades especiais.
c) Implementação da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM):
A SRM será implantada nas dependências da escola de acordo com as necessidades, envolvendo, professores, pais e alunos _ atendidos em turnos opostos aos que frequentam a sala de ensino regular.
Os trabalhos envolverão toda a comunidade escolar e serão coordenados pelos professores capacitados para atuarem na SRM:
- O envolvimento dos professores das classes regulares: As atividades da SRM pressupõem um trabalho conjunto com os professores das classes regulares. Sua participação começa já no momento do diagnóstico e continuará em todas as fases do projeto. Pressupõem uma mudança de atitude em relação ao portador de necessidades especiais que frequentam a sua classe. Os professores deverão utilizar a SRM para desenvolver novos recursos didático-pedagógicos para auxiliar a aprendizagem dos alunos nas classes regulares em que atuam. O projeto pressupõe, portanto, a interação permanente entre os professores capacitados para trabalharem na SRM e os professores das classes regulares.
3.4 – Recursos Materiais e Humanos:
Faz-se necessário buscar recursos materiais e humanos para colocar em funcionamento a SRM quando esta já dispõe de equipamentos básicos (recebidos do MEC) e possui um espaço destinado ao seufuncionamento. É necessário também materiais pedagógicos, softwares e profissionais de apoio especializado (em LIBRAS) e um professor especialista em educação inclusiva.
3.5 – Cronograma:
Deve ser feito um cronograma com as atividades e tempo para desenvolvê-las.
Um exemplo de cronograma:
ATIVIDADES | MESES | ||||
Março | Abril | Maio | Junho | Julho | |
1 - Diagnóstico | X | X |
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2 - Discussão com a comunidade escolar | X | X | X |
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3 - Levantamento de recursos materiais e humanos | X | X |
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4 - Implantação e funcionamento da SRM | X | X | X | X | X |
4 – RESULTADOS ESPERADOS
Ao final do projeto, com a implantação da SRM, com a discussão ampla das formas de inclusão, espera-se uma mudança de comportamento de todos os envolvidos (alunos, pais, professores, funcionários, direção da escola) e a implementação de uma política de inclusão para a escola. Compreendendo a inclusão como “a modificação da sociedade, como um pré-requisito para a pessoa realizar seu desenvolvimento e exercer a cidadania” (SASSAKI, 2005, p. 22).
Espera-se dos gestores da instituição a compreensão da importância de ações concretas para a garantia da acessibilidade e do desenvolvimento de todos os alunos que frequentam a escola – deficientes ou não. Acessibilidade entendida não apenas como amplo acesso físico aos ambientes, mas também o acesso a todos os meios de comunicação, à educação, ao lazer e aos recursos tecnológicos.
Dos professores e funcionários, espera-se a superação de concepções reducionistas sobre as pessoas com deficiências, que comprometem uma prática educacional inclusiva e a adesão a uma concepção sistêmica para a garantia de uma escola efetivamente inclusiva.
Dos pais, espera-se uma mudança de olhar e de atitudes em relação aos filhos com deficiências, não para que dispensem seus cuidados, mas que acreditem na sua capacidade de desenvolvimento, garantindo-lhes a autonomia.
Dos alunos, espera-se o desenvolvimento e aprendizagem de conteúdos e valores fundamentados na perspectiva da diversidade. Que aprendam a acreditar em si mesmos e a respeitar o outro.
5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Denise de Oliveira. Sala de Recursos Multifuncionais: espaços para atendimento educacional especializado. Brasília: Ministério da Educação/SEESP, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Direito à educação: Subsídios para a Gestão dos educacionais – orientações gerais e marcos legais. Brasília, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Escola de Todos: é o Brasil aprendendo e crescendo com as diferenças. Brasília: SEESP, 2005.
MENEZES, Eliana da Costa Pereira de. e CARVALHO, Renata Corcini Carvalho. Atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência mental. BRASÍLIA: MEC / SEESP/FADERS , 2006.
MONEREO, Carles & GISBERT, David Duran. Tramas: procedimentos para aprendizagem cooperativa. Trad. Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SÁNCHEZ, Pilar Arnalz. A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. Inclusão: Revista da Educação Especial. Secretaria de Educação Especial, Brasília, v.1, n.1, out. 2005.
SARTORETO, Mara. Atendimento Educacional Especializado para alunos com deficiência mental. Módulo I: Aula vídeo 2. Programa de Capacitação de professores para a Sala de Recursos Multifuncionais. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: O paradigma do século 21. Inclusão: Revista da Educação Especial. Brasília, Secretaria de Educação Especial, v.1, ano 1. Out.2005. p. 19-23.
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